quarta-feira, 10 de abril de 2013

Travessia Honório Bicalho x Conceição do Rio Acima


A Serra do Gandarela


     A Serra do Gandarela faz parte da grandiosa Serra do Espinhaço, e está localizada à aproximadamente 40km de BH. Ela se estende pelos municípios de Barão de Cocais, Santa Barbara, Itabirito, Rio Acima e Caeté, e é limitada pela Serra do Caraça ao leste e Serra da Piedade ao norte. A Gandarela é adornada por centenas de nascentes, muita mata atlântica, campos rupestre e de altitude, além de diversas cavernas e cachoeiras. 

Mapa da região, incluindo a travessia (linha rosa).  


   Devido a grande importância ambiental, hídrica e histórica da região, foi criado um projeto para transformar a região em parque nacional. No entanto, a região também é rica em minério de ferro, e a Vale pretende transformar boa parte da região em um enorme buraco sem vida, destruindo nascentes, cachoeiras e toda diversidade da flora e fauna presente. 

     Se a Vale conseguir aprovação para o projeto, alguns trechos dessa travessia jamais poderão ser refeitos e se tornarão apenas história. Saiba mais em http://aguasdogandarela.org/

Esboço do trajeto.
     A travessia cruzando o coração do futuro Parque Nacional da Serra do Gandarela foi realizada em solitário, em meados de outubro de 2012.

Dia 1: Cachoeira 27 Voltas e o Ribeirão da Prata

    Saí de casa meio atrasado, como sempre. Segui para o centro. Eu ia pegar um ônibus direto pra Honório, mas passou um pra Rio Acima, e resolvi pegá-lo, pois não sabia o quão mais teria que esperar. No caminho, conversando com trocador, ele sugeriu descer em um dado ponto e pegar um outro ônibus, evitando o baldeio em Rio Acima. Assim eu fiz, esperei bastante, mas enfim ele passou. Saltei do busão no trevo para Honório, por volta das 9:30h. Caminhei cerca de 10 mim até a praça, onde tomei café em uma padaria.

     O início da trilha fica na rua atrás da praça. Existe uma estrada à esquerda, enquanto a trilha segue pela mata.  Entrando na mata já começa uma subida, e em poucos minutos já se chega à estrada principal. Esse ponto é importante, pois é onde inicia, de fato, o caminho para a cachoeira 27 Voltas. Atravessando a estrada, encontrei a trilha ladeando a encosta. A trilha até a cachoeira tem uma característica interessante, ela segue uma curva de nível, com uma ligeira inclinação. Isso se deve ao fato dela acompanhar uma captação de água, dessa forma, existe um pequeno filete d’agua a sua direita.

Início da trilha para a cachoeira "27 Voltas"
     Inicialmente, ela segue por uma área de vegetação baixa. Mais a frente, entra-se na mata e o cenário fica muito mais bonito, a trilha fica  encoberta por folhas, há muitas aves, flores e tudo ao som do riacho que corre no fundo do vale. A engenharia do pequeno canal é bem interessante, e em vários pontos foram construídos pontes para a água passar, em outros, túneis.

Filete d'água a direita.

     As 12:30h cheguei a cachoeira, haviam dois ciclistas por lá, mas já estavam de saída. A cachoeira 27 Voltas possui duas quedas seguidas, e se chega exatamente entre as duas. Bati algumas fotos e tive a sorte de apreciar um “bando” de borboletas se aquecendo ao sol.


Cachoeira "27 Voltas". Queda de cima.
Algumas das centenas de borboletas que se aqueciam ao sol.

     Seguindo em frente, tem-se uma subida, deixando a mata e prosseguindo pela trilha em meio a vegetação rasteira. Depois de cruzar uma estrada e subir mais um pouco, começa uma descida suave, ao final, um riacho com um pequeno poço. Após o riacho, retoma a subida, logo acima, um antigo forte, talvez da época da guerra dos Emboabas. O forte está tomado pelas árvores e o chão totalmente acidentado, apesar disso, foi possível andar pelo seu interior.

Pequeno poço.
Antigo forte.

     Continuando a norte, terminei de subir o pequeno morrote e comecei a descer em direção ao Ribeirão da Prata. Próximo ao rio, a trilha que eu deveria tomar desapareceu, resolvi explorar uma outra que estava muito boa, na esperança de conseguir ir na direção correta.

     Chegando ao ribeirão, havia os restos de uma antiga ponte, as vigas ainda estavam lá, perfeitas. Mas os pranchões foram removidos. Gostei do lugar e resolvi fazer uma parada para lanchar. Após comer, cruzei o rio por uma das vigas e segui a antiga estradinha, tomada pelo mato. Andei cerca de 1.5 km, e só estava distanciado do trajeto. Achei melhor voltar e seguir o planejado. De volta a velha ponte, já era mais de 16:30h. Decidi acampar por lá mesmo, pois achei o lugar aconchegante.

Vigas de uma antiga ponte sobre o Ribeirão da Prata.
Poço da Ponte.

     Aproveitei o poço da ponte para um banho relaxante. No início da noite preparei o jantar. Comi sentado numa viga. Após a refeição, me retirei em minha casa amarela. Durante a noite, caiu um grande temporal, com vento e muitos raios. Isso tornou a noite bem mais agradável.

Jantar a beira da ponte.  

Dia 2: Cruzando a Serra do Gandarela

     Na manhã seguinte, a chuva já tinha parado complemente, apesar disso, o tempo ainda estiva nublado. Os resquícios da chuva podiam ser observados no ribeirão, que no dia anterior estava completamente límpido, agora estava laranja. Segue um pequeno vídeo mostrando o local. Detalhe, as vigas estavam extremamente escorregadias, mas só percebi quando estava no meio do trajeto.



     Arrumei a mochila, as 9:30h continuei o trajeto. Primeiro voltei o pequeno trecho até próximo um pequeno córrego, nesse ponto tive que varar mato até chegar do outro lado. Desci um pouco e já consegui encontrar a trilha. Pela trilha, desci novamente até o Ribeirão da Prata, em um ponto mais acima do rio.  Após o rio, bordeia-se um morrote e pega uma estrada nova e ampla, trata-se do olho da futura principal cava da Vale. Essa área é vigiada o tempo todo, enquanto eu descia pela estrada, um carro de vigilância passou pela bifurcação a minha frente, me viram, mas seguiram adiante. Na bifurcação, tomei a esquerda, rumo ao norte.

Uma das nascentes do Ribeirão da Prata. Esse local deixará de existir, devido a exploração da Vale.

     Eu estava no pé da crista principal da Serra do Gandarela, e pretendia cruzar a serra a partir dalí. O problema é que eu não sabia se seria possível, havia uma estradinha até certo ponto, mas depois era um paredão. Eu fiz uma aposta, que conseguiria atravessar ali, caso não fosse possível teria que dar uma volta de no mínimo 12km. Era um desnível de 500m em 3km, segui subindo pela estradinha, em um trecho de mata atlântica. Inclusive, essa região que a Vale pretende destruir, é quase toda recoberta por mata. A mata ficou pra trás, e a estradinha findou poucos metros a frente, no topo de um morrote, bem na base do paredão duvidoso.

     Era a hora da verdade, eu tinha que achar um meio, e lá fui eu, mato adentro. Subi mais um pouco, até chegar na região mais inclinada, a partir daí segui a direita, ladeando e procurando um ponto melhor pra subir. A inclinação foi ficando mais suave e achei um bom lugar para subir. A partir daí a vegetação ficou rasteira novamente, sem dificuldade para locomoção. Desse ponto eu já conseguia ver o topo da serra, e segui subindo, quando cheguei lá, vi que ainda não era o topo, mas estava mais a frente, dava pra ver. De novo, chegando no topo, ainda tinha muito o que subir, e assim continuei naquela subida puxada e interminável. O trajeto era sobre um crista estreita (é uma crista perpendicular à crista principal da serra), com um abismo ao norte, que era um grotão com uma das nascentes do Ribeirão da Prata. Lembrava muito a Serra Fina, e eu apelidei esse trecho como “trecho da Serra Fina”. Nessa crista tem alguns marcos geodésicos, e andar por ali da pra entender bem o motivo do interesse da Vale, o solo é minério puro.

Parte da "serra fina". Minério de ferro saltando aos olhos.
     Eu estava quase no topo da serra, e acredito que esse ponto é o de maior altitude do Gandarela. Por conta disso, era possível ver uma boa parte da região, inclusive a Serra do Curral a noroeste, onde existem enormes edifícios. 

Borda da região metropolitana de BH, Serra do Curral.

     Enfim, por volta das 14:15h cheguei ao topo ( ~1630m de altitude). Lá existe uma estrada que segue pela parte alta da serra, acompanhando a crista. Seguindo a estrada a leste, passei por uma antiga torre, aparentemente abandonada. Continuando pela estrada, fui descendo e logo adiante deixei a crista, em direção à leste, já pelo outro lado da serra. Desci bem, por uma estrada, até chegar no Lago do Metro. Trata-se de um lago natural, com aproximadamente 200m de comprimento.

Lago do Metro

     Na borda do lago existe uma encruzilhada, tomei a estradinha a sul. Pouco a frente passeio por uma antiga mineração abandonada. Enquanto passava pela mineração, ouvi o barulho parecido com sino. Isso era muito estranho, pois não havia sinal de gente por ali. Até que de repente, aparece uma égua com o sino no pescoço, e tudo ficou explicado.

     A partir desse ponto, deixei a estradinha batida e comecei por uma estrada abandonada, completamente tomada pelo mato. O céu azul logo foi encoberto pelo verde da copa das árvores, o vento quente se tornou denso, e fluía por entre a vegetação, repleto de aromas. Poucos metros abaixo, o Ribeirão Preto se encarregava da trilha sonora.  Eu estava entrando no vale do Gandarela, uma grande e densa porção de mata virgem, repleta de corres e vida.

    No beira do caminho algo me chamou a atenção, era uma pequena gruta. Ao me aproximar, duas aves voaram de lá. Eram dois jacus. Ela possui um degrau na entrada, e em cima um espaço que daria pra dormir tranquilamente. Continuei a descida, e logo estava no fundo do vale, bem ao lado do ribeirão.

Lapa do Jacu.

     O dia já estava um pouco escuro, as 16:40h cheguei à sede da antiga Fazenda Gandarela. São várias casas, completamente abandonadas e tomadas pelo mato. Enquanto passava, podia ouvir o ringir das dobradiças enferrujadas, e o estalar dos assoalhos corroídos pelo tempo. Lugares abandonados tem um ar diferente, e tudo fica mais interessante quando se passa por eles só, e ao fim de uma tarde nublada.

Sede da fazenda Gandarela.

     O dia já estava prestes a findar, e eu seguia pelo caminho de olho em bom local para o canpimg. Era possível montar a barraca em qualquer ponto da trilha, e pouco abaixo tinha o ribeirão, mas como ainda tinha alguns minuto segui a procura de um lugar mais prático. Já quase onde o caminho encontra uma estradinha mais batida, encontrei um límpido riacho cruzando a trilha, o lugar era plano e amplo. Já passava das 17h, então me estabeleci por ali mesmo. Tomei um excelente banho no meu riacho particular, preparei o jantar, me despedi das onças pintadas (presentes na região), e capotei na minha barraca.

Pequena queda do riacho na parte de baixo da estrada.
Clique aqui para ler a parte final do relato!!

9 comentários:

  1. Muito bom o seu relato! eu ja fiz algumas vezes a 27 voltas mas nao sabia que ainda teria tanta coisa bonita à frente! bom saber e aguardo a continuação do teu relato!

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  2. Obrigado, Fill.
    Aquela região tem um infinidade de possibilidades.
    Em breve posto a segunda parte.
    Abraço

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  3. muito bom mesmo!!! pena que tem que esperar a segunda parte!!!!

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  4. parabens vc fez um mapa detalhado para passar

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  5. Pretendo fazer um percurso semelhante e sozinho tb.Obrigado por compartilhar sua experiência.

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  6. BOA TARDE como faço para entrar em contato com a pessoa que fez essa trilha ?

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  7. Muito bom seu relato.
    Tem essa trilha disponível no wickloc ?

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